Janelas para o infinito – fractais, arte e ciência
- hal
- 14 de mai. de 2022
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Atualizado: 20 de jun. de 2022
Rodrigo de Almeida Siqueira
Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, continentes não são círculos,
o som do latido não é contínuo e nem o raio viaja em linha reta. Benoît Mandelbrot (The Fractal Geometry of Nature, 1983)
A palavra “fractal” vem do latim fractus que significa “quebrado” ou “fragmentado”. A ciência dos fractais apresenta estruturas geométricas de grande beleza e complexidade infinita, ligadas ao crescimento de estruturas biológicas e geológicas, em escalas microscópicas ou gigantescas como a própria estrutura do Universo.
O termo fractal foi criado em 1975 pelo pesquisador Benoît Mandelbrot, conhecido como o “pai dos fractais”, para descrever uma nova Geometria que procurava explicar matematicamente o funcionamento de alguns fenômenos da natureza. Ao visualizar graficamente o comportamento do ruído em linhas telefônicas, durante suas pesquisas na IBM, Mandelbrot percebeu que alguns padrões se repetiam independente da escala ser grande ou pequena, isto é, as imagens eram parecidas, visualizando tanto o período de um dia, como o de uma hora ou de um segundo. Então Mandelbrot comparou este comportamento com alguns modelos matemáticos que apresentavam essa característica de repetição em escalas diferentes. Ao elaborar as equações e gerar os gráficos com ajuda de computadores, ele encontrou formas que pareciam orgânicas, lembrando imagens de nervuras, folhas, árvores e galáxias. Mandelbrot observou diversos padrões na natureza que apresentavam comportamento fractal.
Devido à enorme quantidade de cálculos matemáticos necessários para gerar e visualizar os fractais, somente há poucas décadas (com o desenvolvimento dos computadores) essa Geometria pôde ser estudada e elaborada mais detalhadamente. E muitos desdobramentos ainda surgem constantemente, proporcionando novas teorias em áreas como Física, Biologia, Geologia, Medicina, Astronomia, Economia e Matemática. Crescimento de populações, vasos sanguíneos, o curso dos rios e outras formas irregulares podem ser estudadas e descritas utilizando as propriedades dos fractais.
Algumas simples regras de Geometria ou pequenas equações matemáticas, quando repetidas infinitamente, criam imagens de objetos abstratos que possuem o caráter de onipresença por terem as características do todo infinitamente multiplicadas dentro de cada parte, escapando, assim, da compreensão em sua totalidade pela mente humana. Na Geometria tradicional (Euclideana), os objetos são simplificações e não existem na realidade, como retas, planos, cubos, círculos e esferas. Mas, na Geometria Fractal, é possível representar a característica dos objetos existentes na nossa realidade, como a irregularidade da superfície das plantas, o contorno de uma montanha, o curso de um rio, a superfície do pulmão, a forma das nuvens e a turbulência em movimentos aparentemente caóticos. Por isso, é chamada de “Geometria da Natureza”, podendo ser usada para entender os detalhes intrincados da realidade. Jogos de computador ficam muito mais realistas quando usam fractais para gerar montanhas, simular a textura de pele de animais e criar detalhes das paisagens.
Um novo conceito de dimensão foi criado, onde objetos podem existir com uma dimensão fracionada. Por exemplo, a dimensão fractal de uma folha de papel amassada seria 2,5 (entre a dimensão de um plano 2D e do espaço 3D). Já o cérebro humano, tem dimensão fractal calculada em 2,79.
Para identificar se um objeto é fractal, procuramos por três características que aparecem frequentemente:
1) Autossimilaridade: São cópias aproximadas de si mesmas em seu interior. Um pequeno pedaço é similar ao todo. Visto em diferentes escalas, a imagem parece similar. Como a folha de uma samambaia ou uma couve-flor, que parecem ser feitas de pequenas cópias de si mesmas.
2) Complexidade infinita: É uma propriedade que significa que nunca conseguiremos representá-los completamente, pois a quantidade de detalhes é infinita. Sempre existirão reentrâncias e saliências cada vez menores quando olhamos cada vez mais de perto.
3) Recursividade: É o processo infinito de repetição, onde cada etapa do processo usa o resultado da etapa anterior. As imagens repetidas entre dois espelhos repetem-se dessa forma.
Um exemplo clássico de fractal na natureza é uma árvore. O tronco se divide nos galhos maiores, que se dividem em galhos menores e assim sucessivamente. A parte parece o todo. A complexidade e riqueza dos detalhes aumenta quanto mais próximos estamos. Acredita-se que dento das sementes, devido ao pequeno espaço, não estão especificadas detalhadamente as posições de cada galho e de cada folha, nem as ramificações de suas nervuras e detalhes exatos de cada parte da raiz. O que está codificado na semente são as instruções para criar a árvore utilizando métodos simples, mas que se repetem, gerando uma estrutura extremamente complexa no final. Outro exemplo é o pulmão, que, devido à superfície extremamente intrincada e irregular, possui uma grande área superficial, comparável ao tamanho de uma quadra de tênis. Se o pulmão fosse liso e perfeitamente esférico, teria uma área 300 vezes menor.
Uma das aplicações mais conhecidas é a arte fractal, ou a pura produção de belas imagens, que fazem as pessoas verem que a Matemática pode trazer uma infinidade de formas jamais imaginadas, muitas vezes incitando ao estudo e aumentando o interesse pela Matemática. Esse foi o objetivo de diversas exposições feitas pelo Grupo Fractarte, que apresenta o aspecto artístico com explicações científicas, usando a Arte para capturar e atrair o público para a Ciência. O nome da exposição, Janelas para o Infinito, representa essa possibilidade de enxergar o infinito de maneira lúdica em cada imagem e permitir a cada um alcançar um pouco do conhecimento dessa nova fronteira da Ciência. Algumas imagens remetem às estruturas orgânicas, aos detalhes microscópicos de formas da natureza, ao crescimento das plantas, ao movimento caótico do fogo e aos turbilhões da água e dos ventos.
Para gerar cada ponto da imagem (cada pixel), centenas ou milhares de cálculos são feitos. No início da década de 1980, as primeiras imagens de Arte Fractal demoravam até vários dias para serem calculadas. Hoje, em poucos segundos, bilhões de operações são feitas para gerar uma única imagem em alta resolução. Animações também podem ser criadas mostrando o rico movimento que estas formas apresentam.
Em algumas imagens, cada cor representa um número resultante do cálculo de uma equação. Uma gradação suave de cores pode significar números em sequência. Muitas espirais aparecem resultantes de sucessivas rotações e ampliações de uma mesma forma. Vários tipos de simetrias também são comuns, devido ao fato de a mesma regra de formação ser usada em áreas diferentes da imagem. Os fractais também estão relacionados com a Teoria do Caos, fazendo com que algumas imagens apresentem padrões ordenados que surgem de uma aparente desordem.
Para criar este tipo de arte, é necessário conhecer o funcionamento básico das principais equações e usar um software para poder explorar os parâmetros, mudar os métodos de colorir, alterar as regras de formação da imagem, redimensionar ou ir ampliando cada pedaço, como um mergulho pelos detalhes infinitos, até achar uma região interessante. Às vezes, é possível aplicar pequenas variações na equação até atingir o efeito desejado. Outras vezes somos surpreendidos por texturas e padrões geométricos inéditos e exploramos um território novo e desconhecido.
Publicado originalmente na Revista Brasileira, fase VIII, janeiro-fevereiro-março 2015, ano IV, n. 82, p. 13-17.
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